segunda-feira, 10 de março de 2008

Texto a ser publicado no livro Ensaios sobre Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, pelos alunos do curso de especialização da PUC Campinas.

A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E
A PRECARIZAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS

Heitor Marcos Valério, advogado, pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela PUC Campinas SP.

1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o objetivo de demonstrar o impacto do processo de reestruturação produtiva perpetrado no pólo industrial mundial, que consiste na utilização de mecanismos científicos e tecnológicos avançados, mais precisamente a sua relação com o contrato individual e coletivo de trabalho.
Surge a importância de aprofundar a análise das conseqüências dessa reestruturação nos contratos de trabalho individuais e coletivos, visando acima de tudo encontrar mecanismos garantidores da manutenção de direitos anteriormente adquiridos que vêm sendo sistematicamente precarizados, causando desnivelamento na relação entre Capital e Trabalho.
Diante da nova estrutura produtiva, utilizada em larga escala nos dias de hoje, com a introdução de importantes transformações tecnológicas derivadas da reestruturação industrial, conjugada com a globalização da economia, surge a importância de analisarmos concretamente, dentro do contexto da relação de trabalho, a fim de detectar mecanismos reais que estejam prejudicando direitos trabalhistas, relacionados à precarização e flexibilização implantadas, utilizada em larga escala nos dias de hoje.
Hoje podemos constatar na prática novas formas de contrato de trabalho, muito distantes dos princípios de direito, constitucionais e legais, que chamamos de formas atípicas de contratação – alguns casos podemos até chamar de ilícitas –, tais como: cooperativas fraudulentas, contratos temporários, utilização de mão-de-obra terceirizada, simulação de contratos de empregados autônomos, dentre outros mecanismos.
Faz-se necessário aferir a efetividade do sistema de normas individuais e coletivas, inclusive o de representação sindical de classe e as relações trabalhistas, dentro de uma visão relacionada ao princípio protetivo do Direito do Trabalho, apontando os impactos da reestruturação no ordenamento jurídico trabalhista e nos contratos de trabalho, desde as fontes do direito material do trabalho, representações de classe e demais níveis da relação, contrários aos princípios de direito e constitucionais que devem nortear o direito do trabalho.
Diante dessas transformações surgem novos paradigmas aplicáveis ao mundo do trabalho, que vêm produzindo mudanças no conceito jurídico de vínculo empregatício, principalmente com o avanço das formas mistas e atípicas de contratos que misturam, muitas vezes, institutos do Direito Civil e do Direito do Trabalho, surgindo desafios e a constante busca por novas formas de regulamentação trabalhista frente à reestruturação produtiva, visando acima de tudo à garantia da manutenção dos direitos históricos conquistados pelos trabalhadores, aliás, com duras lutas.
Urge a necessidade de repensar o Direito do Trabalho, a fim de encontrarmos uma forma de evitar a insegurança jurídica que decorre das novas formas de relação social e econômica.
Esperamos poder contribuir com o avanço das relações do trabalho, sem deixar de pensar que estamos inseridos num contexto social, onde devemos sempre primar pela busca incessante – mesmo que para muitos considerada utópica – de uma sociedade onde haja boa qualidade de vida, condições dignas de trabalho para todos, acima de tudo, não hajam explorados nem exploradores, que possamos ao menos inserir mais cidadania no mundo do trabalho.
2. GLOBALIZAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
Temos que o processo de globalização leva a uma modificação de paradigmas nas relações internacionais, sendo que estes já são preexistentes. Fala-se hoje Sistema Global ou Mundial, de modo que das várias áreas de decisões, sendo as relativas ao campo social, economia, meio ambiente, política, área cultural que sempre pareceram atinentes ao campo do direito interno de cada Estado, passam a ser considerados como assuntos da ordem internacional, em detrimento do Estado Nacional.
Os países em desenvolvimento não podem ficar isolados, diante da competição “selvagem” que se instala, sendo certo que esta visa – acima de tudo – que cada um marque sua presença nos mercados internacionais, sem esquecerem de colocar em prática adaptações estruturais no mercado de trabalho, de forma a construir um desenvolvimento sustentável que leve em conta os fatores sociais.
Na verdade o processo de globalização fez com que o mundo se reduzisse, criando uma tendência de mercado único em nível mundial. Esquecem-se das questões importantes aos respectivos países, assumindo paradigmas ditados pelo mercado internacional.
Com isso se vislumbra a possibilidade de utilização, em grandes proporções, de outros tipos ou modalidades de relação de trabalho, onde os direitos dos trabalhadores são diminuídos ou eliminados, propositalmente, deixando de levar em conta a necessidade de proteção aos direitos dos trabalhadores.
Isso significa nada menos que a troca de garantias de condições de emprego, pela manutenção do próprio emprego, penalizando os trabalhadores; visando conferir às empresas a possibilidade de ajustar a sua produção, emprego e condições de trabalho às contingências rápidas ou contínuas do sistema econômico global.
A revolução tecnológica não para, seus avanços são totalmente perceptíveis nos dias de hoje. O desenvolvimento tecnológico, a própria globalização vieram para ficar. Aumenta a possibilidade de competição à nível internacional, dada à facilidade de comunicação global. Hoje as transferências de capitais, de tecnologia e de idéias transitam livremente pelo mundo, não existem mais fronteiras.
Juntamente com esse progresso vem a própria incerteza em todos os níveis. A evolução não para, as pessoas tem que se desenvolver individual e coletivamente, se adaptarem às novas transformações. Todos foram jogados na arena, o único problema, a grande massa apenas recebe informações, sem ter participação efetiva, gerando grande desigualdade social, cultural, tecnológica e em todos os demais sentidos.
O pólo industrial concentra grande investimento produtivo, a relação de trabalho, os meios de produção com alta tecnologia e métodos importados de países mais desenvolvidos, gerando a dependência econômica dos países do terceiro mundo, que não conseguem absorver as benesses da globalização.
As empresas se transformaram, passando a atuar em nível mundial, utilizando sistemas tecnológicos altamente sofisticados e interligados, longe das antigas formas de organização econômica.
Vemos nas fábricas maior número de técnicos especializados do que operários. Com o crescimento da produção e consequentemente o desemprego, o poder de barganha da classe trabalhadora está sendo diminuído a cada dia.
3. A ADEQUAÇÃO DO TRABALHO ÀS NOVAS REALIDADES PRODUTIVAS
Esta transformação radical implantada obrigou os trabalhadores a mudarem sua forma de trabalho, qualificando-a, obrigando uma total mudança de hábitos, visando participar efetivamente do processo.
Por outro lado as empresas passaram a adotar novas formas de integração, subcontratação, horários de trabalho diferenciados, gestões de vendas informatizadas e com estoque zero, o que veio a exigir das partes integrantes do processo produtivo, sindicatos e empresários, um entendimento diferenciado, visando adaptar as novas formas de trabalho preservando princípios norteadores do direito e conquistas seculares dos trabalhadores, considerando que o direito deve emergir das relações sociais.
O Estado tem que redefinir seu papel, visando garantir o princípio protetivo aos direitos trabalhistas conquistados de forma democrática.
A nova tendência proposta unilateralmente pelo empresariado é a desregulamentação das condições de trabalho, também chamada de flexibilização trabalhista, como se fosse a única saída para a suposta crise que vive a economia produtiva.
Destacamos que a lei deve acompanhar a evolução histórica da sociedade, emergir das relações sociais, sem perder de vista os princípios de direito e constitucionais pétreos anteriormente conquistados.
O processo de flexibilização é unilateral, não estão sendo ouvidos os clamores dos principais protagonistas sociais, que são os trabalhadores, simplesmente relegados ao segundo plano e à sina do desemprego. Destaque-se que, os sindicatos de classe têm um papel institucional fundamental neste momento.
De processo unilateral, a flexibilização rapidamente tornou-se objeto da atenção dos sindicatos de trabalhadores nos países industrializados, que dela fizeram tema de estratégia negocial. As relações industriais assumiram em certos casos a feição de flexibilidade regulamentada.
Da mesma forma o Direito do Trabalho deve se moldar à nova realidade, não devendo simplesmente aderir às mesmas, mas continuar a valorizar os princípios constitucionais e institucionais que sempre lhe nortearam, visando garantir acima de tudo o direito ao hipossuficiente, considerando a real existência das diferenças e interesses antagônicos de classe.
4. NOVOS DESAFIOS E FORMAS DE REGULAMENTAÇÃO TRABALHISTA FRENTE À REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
Dentro de um contexto de relação de classe num mundo globalizado, pudemos estudar a origem das classes sociais e as inerentes desigualdades milenares, oriundas de modelos de produção e exploração que vem se desenvolvendo e aprimorando com o passar dos tempos.
Diante dos novos paradigmas hoje existentes relacionados à relação do trabalho e aos contratos propriamente ditos, foi necessário estudarmos a formação do contrato de trabalho, sua alteração e adequação à nova realidade produtiva.
Num mundo globalizado, onde se busca acima de tudo o lucro, sem qualquer escrúpulo, os seres humanos são relegados em segundo plano, daí o grande número de trabalhadores desempregados, uma tremenda contradição.
A análise das conseqüências dessa reestruturação nos contratos de trabalho individuais e coletivos nos possibilita encontrar mecanismos garantidores da manutenção de direitos anteriormente adquiridos e vem sendo sistematicamente precarizados, causando desnivelamento na relação entre Capital e Trabalho.
As novas formas de contrato hoje colocadas em prática estão muito distantes dos princípios de direito, constitucionais e legais, que chamamos de formas atípicas e até mesmo em alguns casos ilícitas de contratação.
Pudemos constatar que as normas existentes, bem como, as representações de classe, que têm a prerrogativa de criar normas autônomas, estão deixando a desejar quando pensamos em efetividade. Os impactos da reestruturação no ordenamento jurídico trabalhista e nos contratos de trabalho estão totalmente na contramão dos princípios constitucionais e norteadores do direito do trabalho.
Torna-se possível repensar o Direito do Trabalho, a fim de encontrarmos uma forma de evitar a insegurança jurídica que decorre das novas formas de relação social e econômica, que certamente poderão contribuir para com o avanço das relações do trabalho, dentro do contexto social.
Destacamos que a tendência desreguladora e flexibilizadora neoliberal tem tomado forma em nosso país em diversos aspectos: através das reformas constitucionais; da criação de leis e da jurisprudência e o de instrumentos normativos autônomos celebrados por entidades de classe.
Dentro desse contexto, surge a necessidade de combatermos nestes mesmos ângulos, para que possamos conquistar a efetiva segurança jurídica, vejamos:
A uma, a necessidade de continuidade da relação individual de trabalho, diante do quadro de desemprego reinante e da recente criação de mecanismos que permitem a demissão imotivada, surge a necessidade de repensarmos a questão de demissão, até mesmo com a regulamentação do art. 7º, I da Constituição Federal que protege a demissão imotivada.
Os protagonistas da relação do trabalho devem cobrar a criação ou regulamentação de mecanismos que intensifiquem os níveis de tutela, de forma a garantir o principio da irreversibilidade dos Direitos.
A duas, a melhoria da qualidade do emprego e formação profissional, com a reestruturação os empregados necessitam exercer funções mais complexas em relação às que lhes eram exigidas anteriormente. Os empregados que não se adaptarem à nova realidade serão compelidos ao desemprego. Os poderes públicos, com o auxílio das empresas e entidades de classe, deverão fomentar mecanismos para melhor qualificar o profissional, a fim de que este possa ter acesso aos novos postos de trabalho.
A três, a recolocação da massa de desempregados e trabalhadores informais. Devem ser novamente delineados os pilares do sistema capitalista, de forma que se possa diminuir a carga de trabalho, com a redução da jornada, dando condições assim à melhoria da condição educativa e cultural dos trabalhadores. ..........Certamente esse seria um fator decisivo na inserção social dessa massa de desempregados. Devem ser criados mecanismos legais para regulamentar o trabalho informal e atípico, lembrando que não podemos única e simplesmente cobrar dos legisladores e demais autoridades, já que o direito do trabalho propicia a criação de normas autônomas, a partir do enfrentamento direto nas relações do trabalho, daí a importância do sindicato nesse processo.
Um importante mecanismo seria o contrato coletivo de trabalho, que talvez seja hoje um dos maiores desafios aos governantes e toda a sociedade civil, dada a necessidade de inserir na sociedade toda a massa que se encontra marginalizada do processo produtivo e fazem parte da classe trabalhadora, aqueles que estão na informalidade e até mesmo desempregados.
As centrais sindicais têm um papel, com a discussão tripartite do Contrato Coletivo de Trabalho, sendo que este deveria ter efeito erga omnes, visando atingir todas as categorias inclusive as inorganizadas, desempregados e empregados da informalidade.
A quatro, Necessidade de internacionalização dos direitos humanos, visando garantir a cidadania dos trabalhadores na empresa. A adoção de normas internacionais pelas constituições nacionais, visando unificar as leis protetoras, nos mesmos patamares de outros países, visando garantir direitos mínimos a todos os empregados do mundo, de forma igualitária, diminuindo assim as desigualdades e concorrências mundiais.
O Direito do Trabalho deveria abranger a todas as categorias, universalizando a tutela laboral em todo o mundo, sem distinções, garantindo assim o princípio protetor mundial que deve nortear todos os demais princípios do direito laboral.
A cinco, sindicatos livres e representativos. Os sindicatos deverão abranger todos os trabalhadores, inclusive os informais e desempregados. Elaboração de um Contrato Coletivo de Trabalho, abrangente e norteador dos direitos mínimos, inerentes a todas as categorias profissionais, restando aos sindicatos negociar questões específicas, de modo que a todo trabalhador, empregado ou não, haja acesso aos direitos mínimos de proteção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho – Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. Ed. Boitempo, São Paulo, 1999.
BRESCIANI, Luis Paulo. Da resistência a contratação – tecnologia, trabalho e ação sindical no Brasil. São Paulo: Série Indústria e Trabalho CNI – SESI/DN 3, 1994
MAIOR. Jorge Luiz Souto. A Fúria. São Paulo: Revista LTr 66-11/1290.
OIT. Políticas de empleo en una economia mundializada. Informe V, 83ª. Reunião da Conferência Internacional do Trabalho, Genebra, 1996, p. 91.
POCHMANN, Marcio; BARRETO, Reginaldo Muniz; MENDONÇA, Sergio Eduardo Arbulu. Ação sindical no Brasil – transformações e perspectivas. In Revista da fundação SEADE, v. 12/1, jan/mar. 1998, p.22
PROSCURCIN, Pedro. O trabalho na reestruturação produtiva. São Paulo: LTr Edit. 2001.
ROMITA, Arion Sayão. A globalização da economia e o poder dos sindicatos, Publicada na Síntese Trabalhista nº 124 - OUT/1999, pág. 5).
SANDEN, Ana Francisca Moreira de Souza, Formação profissional e mercado de trabalho no brasil: incidência da negociação coletiva e do diálogo social - Publicada na Síntese Trabalhista nº 152 - FEV/2002, pág. 16), Procuradora do Trabalho no Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, São Paulo/SP.
URIARTE, Oscar Ermida. A flexibilidade. São Paulo: LTr Edit., julho, 2002.

Você já se sentiu lesado em relação aos seus direitos trabalhistas?